CategoriaGovernança
16/11/2023
8 minutos

Governança e mitigação de risco

Por Gillian Borges

Em uma próxima reunião de Conselho da qual vou participar, teremos como pauta elencar riscos que podem impactar a perenidade da empresa. Para me preparar, decidi compilar num artigo as leituras que fiz sobre o assunto, juntando alertas que obtive no ChatGPT. Suponho que meu apanhado de ideias possa ser útil para colegas de profissão!

Empresas com uma gestão consistente geralmente fazem o que chamamos de Gestão de Riscos Empresariais, conhecida pela sigla ERM, do inglês Enterprise Risk Management. Os riscos são identificados e avaliados. Depois são pensadas estratégias e políticas para mitigá-los, garantindo a continuidade do negócio. Mas então por que o conselho deve se ocupar do tema? A meu ver, existem três motivos primordiais.

Motivo 1 – Diversidade de perspectivas

A pressão pelo resultado pode cegar a gestão e dificultar o levantamento de riscos que, a médio e longo prazo, podem trazer impactos graves. É o caso, por exemplo, de riscos ambientais ou tributários. Na ânsia de cumprir metas, os executivos podem deixar de lado alguns cuidados que não passariam despercebidos pelos membros do Conselho. Como nosso principal papel é garantir a perenidade da empresa, nos preocupamos menos com o dia a dia e mais com os impactos futuros de decisões – ou pelo menos assim deveria ser.

Sabendo dos riscos, os conselheiros vão buscar um consenso, uma decisão que atenda todas as necessidades apontadas pelo colegiado. Por isso é muito interessante que o Conselho seja formado por membros com qualidades diversas, que venham de áreas complementares de conhecimento e que entendam de maneira diferente as prioridades do negócio. Várias pesquisas já comprovaram, por exemplo, que mulheres têm pontos de vista divergentes dos homens e conseguem analisar um número de variáveis bem maior, uma característica intrínseca de seu cérebro menos focado que o deles.

Mas diversidade em Conselho não é só um caso de gênero. É interessante formar um colegiado com membros de origens, idades e ideias diversificadas. Isso aumenta as perspectivas de análise e enriquece o debate.

No relatório “O papel do conselho na supervisão de riscos” de maio de 2023, a PWC alerta que “a supervisão de riscos é responsabilidade de todo o conselho. Ter habilidades, experiências e conhecimentos diversos é vital para entender a ampla gama de riscos que uma empresa pode enfrentar. É importante contar com alguns membros que tenham profundo conhecimento do setor e possam ajudar a antecipar o que está por vir. Por outro lado, também é essencial ter novas perspectivas – seja com novos conselheiros ou com membros que tenham experiência em setores diferentes ou habilidades adicionais – para enxergar o risco por ângulos variados.”

 

Motivo 2 – Exercício de foresight

Novas tecnologias, novos modelos de negócios, megatendências, tendências comportamentais e transformação digital são alguns dos temas que o Conselho pode se dedicar mais demoradamente e com mais atenção. Quando o Conselheiro tem visão de Futuro, Tendência e Inovação, ele analisa o cenário com mais assertividade, contribuindo para ampliar o debate, analisando ameaças e trazendo oportunidades para o negócio. O relatório da PWC já citado confirma isso quando diz que “o número e os tipos de riscos que o conselho supervisiona continuam crescendo, ainda que a natureza deles mude.”

 

Motivo 3 – Capitalismo consciente

Também faz parte tomar decisões que levem em consideração todos os stakeholders. Um empresa que dá lucro mas sacrifica a população da cidade onde está instalada não tem espaço no mundo de hoje. Nem é preciso pensar muito para elencar casos exemplares.

A consultora Tüv Süd sabia que havia riscos de rompimento da barragem do Córrego do Feijão, mas optou em ignorá-los no relatório que apresentou à mineradora Vale. Essa, por sua vez, também preferiu não tomar providências, continuando suas atividades até que em janeiro de 2019 o rompimento da Barragem de Brumadinho causou a morte de 270 pessoas, deixou desaparecidos e gerou um desastre ambiental jamais visto no Brasil. Todos sabiam dos riscos, até mesmo os Conselheiros, infelizmente, e a empresa foi acusada de homicídio qualificado, crime contra fauna e flora e crime de poluição.

O outro caso que me vem facilmente à mente é o mostrado no filme Erin Brockovich. Lançado em 2020 e estrelado por Julia Roberts, conta a história da Pacific Gas and Electric Company (PG&E) na cidade de Hinkley, Califórnia, na década de 1990, que mesmo sabendo que seu esgoto contaminava o suprimento de água local com cromo hexavalente, uma substância cancerígena, não tomou providências para salvaguardar a saúde da população local. E pagou caro por isso.

 

GESTÃO DE RISCOS

Como bem sabemos, a Governança Corporativa baseia-se em quatro princípios: Transparência, Responsabilidade, Conformidade e Equidade. Faz parte da estratégia de empresas com Governança Corporativa, portanto, dar transparência aos riscos, responsabilizar-se por eles e buscar a conformidade legal, quando necessário. Em outras palavras, gerenciar riscos significa identificá-los, avaliá-los e traçar estratégias para sua mitigação. Finalmente, então, vamos à minha lista, citada no primeiro parágrafo desse texto.

 

Riscos trabalhistas

Práticas inadequadas, ambientes insalubres e acidentes de trabalho podem levar ao descontentamento dos funcionários, rotatividade elevada e disputas trabalhistas.

Também podem impactar na eficiência operacional e na produtividade. Por outro lado, um ambiente de trabalho seguro, saudável e que promove o bem-estar dos funcionários, melhora o desempenho da organização. RH e Conselho precisam traçar juntos os impactos de eventuais decisões que coloquem em risco o bom relacionamento com funcionários e colaboradores.

 

Riscos tributários

São causados por evasão fiscal e por multas em decorrência da não conformidade com obrigações legais. No Brasil, a complexidade do sistema tributário, com instâncias municipais, estaduais e federais, aumenta os riscos.

Há ainda as regulamentações específicas da área de atuação do negócio. Um exemplo é a lei da logística reversa que recai sobre a indústria de cosméticos. São elas as responsáveis em tirar do meio-ambiente as embalagens usadas em seus produtos sob risco de pesadas multas ambientais caso não o façam.

 

Riscos financeiros

Volatilidade do mercado financeiro, flutuação na taxa de câmbio, exposição a crises econômicas, recessões, má gestão de fluxo de caixa, alavancagem excessiva, falhas nos controles internos, fraudes financeiras, perdas em investimentos, não conformidade com regulamentações financeiras, passivos são apenas alguns dos riscos financeiros que as empresas correm.

O Conselho Consultivo deve avaliar criteriosamente operações financeiras, diversidade de investimentos, relatórios financeiros, gestão do caixa e de dívidas. Mas só isso não basta. Ele precisa conduzir análises de cenários para identificar como a empresa pode ser afetada por diferentes condições econômicas, inclusive contratando especialistas externos com visão macroeconômica. Com base nessas avaliações, propor medidas, implementar políticas de gerenciamento de riscos financeiros, estratégias de hedge, revisão dos controles internos, treinamento de pessoal e alocação mais segura de ativos. A colaboração próxima entre o conselho consultivo e a administração é fundamental para garantir que a empresa esteja preparada a proteger seus interesses financeiros a longo prazo.

 

Riscos sociais

As empresas têm cada vez mais a responsabilidade de operar de forma ética, respeitando direitos humanos e promovendo um espaço com diversidade, seja etária, de gênero, de raça. Parte desse tema já está coberto por lei, como é o caso de cota para PCDs, crime de racismo e igualdade salarial entre homens e mulheres.

Mas já não basta cumprir a lei. Hoje, a sociedade cobra das empresas sustentabilidade social e ambiental. Portanto, para mitigar riscos é fundamental traçar uma estratégia de ESG com foco no social.

 

Riscos ambientais

Variações extremas de temperatura, chuvas torrenciais aumento do nível do mar e escassez de recursos hídricos são alguns dos exemplos de eventos que oferecem riscos para as empresas. Impactos negativos repercutem na reputação da empresa perante consumidores, investidores e a comunidade. Há inúmeras estratégias para minimizar riscos ambientais, entre elas:

  • reduzir emissões de gases de efeito estufa;
  • promover eficiência energética;
  • inovar para que seus produtos minimizem e até compensem mudanças climáticas;
  • preferir insumos que reduzam impactos ambientais;
  • usar tecnologias que não prejudiquem o meio ambiente;
  • cuidar para não provocar esgotamento de recursos naturais ou prejuízos à biodiversidade.

 

Riscos de concorrência

Empresas que adotam uma mentalidade de inovação e adaptabilidade às mudanças do mercado e no ambiente de negócios têm mais chances de sobreviver e prosperar. A concorrência só vai atrapalhar quando essa empresa não for a sua.

O Conselho pode contribuir com uma visão clara dos caminhos que o mercado está percorrendo e dos avanços tecnológicos, com uma gestão ágil e flexível e com a alocação eficiente de recursos para impulsionar a inovação, evitando que a concorrência avance e atrapalhe o negócio.

 

Riscos cibernéticos

Violação de dados do consumidor e vazamento de informações da empresa são apenas alguns dos riscos cibernéticos que podem abalar a confiança dos clientes e gerar implicações legais e financeiras.

Para enfrentar riscos cibernéticos, o conselho consultivo deve trabalhar em conjunto com o CIO para estabelecer estratégias de segurança sólidas, revisar políticas e procedimentos, garantir investimentos adequados em tecnologia e treinamento de pessoal, e traçar um plano de resposta eficaz em caso de incidente. Além disso, o conselho consultivo pode ajudar a empresa a manter-se atualizada sobre a evolução das ameaças digitais.

 

Riscos de imagem e reputação

Credibilidade, confiança dos clientes, valor de marca e desempenho financeiro são alguns dos riscos relacionados à imagem e reputação. Eles incluem:

  • Escândalos éticos;
  • Problemas na qualidade dos produtos ou serviços;
  • Impacto ambiental adverso;
  • Questões trabalhistas e condições de trabalho inadequadas;
  • Conflitos com stakeholders;
  • Práticas de concorrência desleal;
  • Desonestidade financeira;
  • Inconformidade legal;
  • Má comunicação em situações de crise;
  • Influência em mídias sociais;
  • Riscos geopolíticos e socioeconômicos;
  • Desalinhamento de valores culturais e sociais;
  • Falta de segurança cibernética;
  • Riscos relacionados à cadeia de fornecimento.

 

É pouco comum que Conselhos tenham Conselheiros advindos da área de comunicação, justamente profissionais especialistas em imagem e reputação. Como dá para ver pelo grande número de riscos que fazem parte da lista acima, não pensar em uma cadeira para Conselheiro dessa área por si só já é mais um risco a acrescentar à lista. Mas o Conselheiro, sozinho, será como uma andorinha desgarrada. Assim como é preciso um bando de pássaros para indicar verão, todo o departamento de comunicação precisa estar envolvido na mitigação dos riscos de imagem e reputação.

 

 

Gillian Borges é Vice-Presidente da Conselheiros TrendsInnovation, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, Publisher, graduada em Comunicação Social e consultora de negócios com foco em Inovação, Tendências, Futuro, Comunicação Estratégica e Marketing. Faz mapeamento de tendências e foresight para empresas internacionais, apresentando oportunidades de negócios no mercado brasileiro de bens de consumo e HPPC.

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