Quando pensamos em normas regulatórias no ambiente corporativo, é comum associá-las a obrigações, burocracias e riscos de penalização. Mas a nova NR-1, ao atualizar as diretrizes de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) no Brasil, oferece muito mais do que isso: ela apresenta uma oportunidade estratégica de transformação cultural.
Ao integrar os riscos psicossociais como assédio, estresse crônico, sobrecarga de trabalho e insegurança emocional ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), a NR-1 abre um novo capítulo na gestão de pessoas. Ela não apenas regulamenta, mas convida as empresas a revisarem suas práticas, ampliarem sua escuta e cultivarem ambientes emocionalmente mais seguros e sustentáveis.
Essa mudança ocorre em um contexto de profundas tensões no mundo do trabalho. De acordo com o SEBRAE (2024), 60% das empresas encerram suas atividades nos primeiros cinco anos, muitas vezes por falhas de gestão, clima organizacional disfuncional ou ausência de planejamento estratégico com foco humano. Além disso, cerca de 17% dos empreendedores encerram seus negócios sem qualquer plano estruturado, o que revela uma cultura ainda frágil de prevenção e visão sistêmica.
A NR-1 pode ser vista como um termômetro: se a empresa enxerga sua implementação apenas como um checklist técnico, corre o risco de perder seu real valor. Por outro lado, se compreendida como uma ferramenta de fortalecimento da cultura interna, ela se torna um vetor de engajamento, propósito e confiança mútua.
Mas o que significa transformar uma exigência legal em valor real? Significa, por exemplo:
Incluir a pauta de SST na agenda estratégica da liderança;
Estabelecer canais internos de escuta, denúncia e acolhimento que funcionem com confiança;
Criar rituais que estimulem o diálogo entre áreas, hierarquias e gerações;
Reconhecer que segurança emocional é base para inovação e produtividade.
Cultura organizacional não se muda por decreto. Ela se transforma pela coerência entre discurso e prática, pelas pequenas decisões diárias, e pelo modo como as pessoas se sentem pertencentes e protegidas.
Para que a NR-1 seja mais do que uma adequação documental, a liderança precisa atuar como agente de transformação. Isso envolve sair do lugar da autoridade técnica e ocupar o papel de curador de ambientes saudáveis, como por exemplo:
Assumir responsabilidade ativa sobre o clima da equipe;
Identificar sinais de exaustão e desmotivação antes que se tornem crises;
Cultivar relações baseadas em confiança, escuta e empatia;
Promover o equilíbrio entre metas e bem-estar.
Segundo pesquisa da Deloitte (2023), 85% dos colaboradores afirmam que seu bem-estar depende diretamente da postura da liderança imediata. Ou seja, um líder despreparado pode colocar todo o investimento em SST em risco. Por isso, programas de formação em soft skills, segurança psicológica e gestão humanizada são indispensáveis na implantação da nova NR-1.
O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) deixa de ser um documento técnico para se tornar uma base de cultura organizacional baseada em prevenção, cuidado e protagonismo compartilhado. Quanto mais os colaboradores se sentem parte desse processo, mais eficaz ele será.
Esse protagonismo pode ser estimulado por meio de:
Palestras e oficinas interativas sobre saúde mental e cultura do cuidado;
Hackathons internos para pensar soluções inovadoras para SST;
Indicadores de clima organizacional com devolutiva transparente;
Reconhecimento de boas práticas e comportamentos preventivos.
Transformar a NR-1 em valor real é, portanto, reconhecer que a segurança e o bem-estar no trabalho não são custos, são investimentos em longevidade, reputação e impacto.
A nova NR-1 não quer apenas que as empresas se adequem, ela quer que elas evoluam. Que deixem de enxergar a saúde e segurança como barreiras ou obrigações, e passem a vê-las como estratégias de geração de valor e fortalecimento da cultura interna.
Empresas que entendem essa mudança de lógica se antecipam, inovam e se tornam lugares desejados para trabalhar e se desenvolver. Afinal, como disse Simon Sinek: “Clientes nunca amarão uma empresa até que os colaboradores a amem primeiro.”